Um espaço com história

A história d’A Brasileira do Chiado traz com ela muitas outras histórias. Atravessou muitas épocas, sistemas políticos e pontos de viragem na história de Portugal, sabendo sempre manter a sua essência e perpetuando as memórias de muitos artistas e fiéis anónimos que aqui encontram um espaço único há mais de cem anos.

a brasileira do chiado

Inaugurada a 19 de novembro de 1905, no Chiado, num espaço que antes fora uma camisaria, A Brasileira foi criada por Adriano Soares Telles do Valle (1859-1932), um alvarenguense que emigrara para o Brasil em 1872, ali casando com a filha de um dos maiores produtores de café da região de Minas Gerais.

Adriano Telles acabaria por se tornar um conceituado negociante e fazendeiro, dedicando-se à produção e comércio de café e também ao jornalismo, uma das suas paixões. O seu apreço pelas artes levava-o a organizar saraus culturais na sua própria casa, tendo como convidados ilustres artistas e intelectuais.

Regressado a Portugal em 1898 por recomendação médica a propósito da saúde da mulher, Adriano Telles acabaria por enviuvar pouco depois, voltando a casar mais tarde. Com ele, trouxe do Brasil o negócio do café, uma bebida até então desconhecida e pouco apreciada pelos portugueses, pelo gosto amargo que o caracterizava. Crente no potencial do café e atento às questões que impedissem os seus clientes de o apreciar, Adriano Telles criou uma rede de estabelecimentos: as famosas A Brasileira, instaladas no Porto, Lisboa (Chiado e Rossio), Coimbra, Braga e Sevilha, em Espanha, onde servia café à chávena gratuitamente como forma de divulgação a quem lhe comprasse outras iguarias que importava do Brasil.

Encomendou ao arquiteto Manuel Norte Júnior, um dos mais notáveis arquitetos da sua geração, o projeto da fachada, luxuoso e ao estilo parisiense. A decoração faustosa do interior fez d’A Brasileira um espaço onde se reuniam os ilustres da época: advogados, médicos, professores, escritores e artistas. Aqui se reuniram também revolucionários que participaram na instauração da República portuguesa, em 1910.

Com A Brasileira do Chiado convertida em ponto de encontro de artistas e escritores, a publicação Ilustração Portugueza referia, em 1920, que as discussões ali travadas eram “suaves e ponderadas”. Nas vésperas da primeira Conferência Futurista, três anos antes, já Almada negreiros tinha reconhecido que, desde que a revista Orpheu ali fora criada, muitos olhavam para os “rapazes da Brazileira como um bando de loucos inofensivos”. E, de facto, por vezes ali se assistiu a cenas de pancadaria entre republicanos e integralistas, como aconteceu com o arremesso de chávenas e cadeiras entre Aquilino Ribeiro e Alfredo Pimenta. Mas o que ressalta desse tempo era o facto de não haver “problema literário ou artístico que não encontrasse no grupo d’A Brasileira os melhores estudiosos”, como mais tarde Alfredo Marques escreveria no Diário Popular. Dizia-se que “no mármore das mesas há sempre exposições de coisas de arte”.

Ao longo dos anos, Adriano Telles continuou a cultivar o gosto pela imprensa e pela arte. Lançou o periódico quinzenal A Brazileira, no qual reforçava a promoção do café brasileiro e encomendou aos pintores modernistas de então, dando espaço e fôlego à arte moderna portuguesa: Almada Negreiros, António Soares, Jorge Barradas, Bernardo Marques, Stuart Carvalhais, José Pacheko e Eduardo Viana, um conjunto de telas que viriam a ser colocadas no estabelecimento em 1925. O pintor Columbano Bordallo Pinheiro, que em 1914 se tornou diretor do recém-criado Museu de Arte Contemporânea, não potenciava o trabalho dos artistas mais jovens e impedia a entrada das suas obras no Museu, acabando A Brasileira por funcionar como o primeiro museu de arte contemporânea, em Lisboa.

A incorporação destas peças eram um reflexo do arrojo que caracterizava o fundador d’A Brasileira, tendo gerado uma grande polémica na época. São hoje consagrados, todos os artistas que ali expuseram as suas obras.

Em 1971, um novo projeto de renovação foi levado a cabo n’A Brasileira do Chiado na sequência de uma proposta de Joachim Mitnizky aos proprietários d’A Brasileira, e novos artistas foram convidados a decorar o espaço. A seleção feita, como afirmou Rui Mário Gonçalves, correspondia “às tendências típicas dos anos sessenta”: “dois abstratos, um figurativo, um comprometido entre o figurativo e o não-figurativo, um “letrista” e seis integrados ou próximos do Neo-Figurativismo, com ou sem incidências do espírito “pop”. Assim foi.

Desde a sua abertura em 1905, A Brasileira do Chiado tornou-se um dos cafés mais concorridos de Lisboa. Foi, e continua a ser, cenário de tertúlias intelectuais, artísticas e literárias e onde escritores e artistas como Fernando Pessoa e Almada Negreiros encontraram a inspiração para conceitos e ideias paradoxais. A assiduidade de Fernando Pessoa foi tal que, por ocasião do centenário do seu nascimento em 1988, ali foi instalada a sua estátua em bronze, da autoria do escultor Lagoa Henriques, representando o poeta sentado à mesa na esplanada do café e que é hoje uma das estátuas mais fotografadas da capital.

Foi n’A Brasileira que nasceu o termo «bica», que seria, numa versão possível, a abreviatura de “beba isto com açúcar”, um incentivo para tornar o café, uma novidade naquela época, mais agradável para os clientes enquanto lhes criava o hábito e marcava um ritual. Outra versão conta que o nome viria do facto de o café ser servido diretamente nas chávenas a partir das torneiras (ou «bicas») das máquinas onde era feito, porque os clientes consideravam que a passagem intermédia para a cafeteira lhe fazia perder características, tendo o termo sido adotado como sinónimo de um café, até hoje.

Classificada, desde 1997, como imóvel de interesse público, A Brasileira é hoje um dos mais antigos e um dos três únicos cafés de Lisboa que atravessaram todo o século XX e se mantêm abertos. Em 2017, a Câmara Municipal de Lisboa distinguiu A Brasileira com o galardão «Lojas com História», atribuída em função do interesse cumulativo da sua atividade, bem como da existência e preservação de elementos patrimoniais materiais, culturais e históricos.

Fernando Pessoa ali permanece, mais presente que nunca, não apenas na sua estátua, mas também nos seus óculos de uso pessoal que estão em exposição bem como, num tributo ao mais universal dos poetas portugueses, A Brasileira lançou a sua própria edição de Mensagem em versões bilingue numa partilha da História do país com o mundo.

Em 2021, o MNAC – Museu Nacional de Arte Contemporânea apresentou uma exposição sobre as pinturas modernistas do café e em 2023 o ilustrador Nuno Saraiva retratou A Brasileira numa toalha que traz os traços da vida no Chiado, numa homenagem aos lisboetas e aos turistas de todo o mundo que ao longo de mais de um século dão vida ao Café.

Hoje, A Brasileira mantém a sua identidade continuando ligada à cultura com o jornal Mensagem de Lisboa, que tem n’A Brasileira a sua sede emocional e através do quiosque de jornais regionais, que traz o país para a mesa do café.

Ao longo dos seus mais de 100 anos de história o papel d’A Brasileira tem sido o de dar palco à cultura e aos seus intérpretes, promovendo o progresso que só a arte é capaz de impulsionar. A Brasileira do Chiado e a sua História são, aliás, prova de que a economia e a cultura podem e devem fundir-se para benefício mútuo, pois ambas melhoram quando conjugadas de forma inteligente, chegando a arte a mais pessoas (adquirindo mais valor à medida que mais corações vai tocando) e levando a economia a uma dimensão transcendental, muito acima da mera razão monetária.

Hoje, como ontem, A Brasileira continua a cumprir o seu desígnio de propulsor cultural enquanto palco histórico da efervescência artística. Fá-lo a cada novo encontro que acontece numa das mesas sextavadas, a cada dois dedos de conversa e uma bica.

Histórias n’A Brasileira

Revista Orpheu

Manifesto Anti-Dantas

A origem da «Bica»

Fado do 31

O primeiro museu de arte moderna de Lisboa

O Pátio das Cantigas

Um café em Madrid

Vasco Santana

Vestido a rigor

Um desencontro n’A Brasileira

A visita de Kubitschek de Oliveira, Presidente do Brasil

Património Cultural

Beatriz Costa

Estátua de Fernando Pessoa 

Óculos de Fernando Pessoa n'A Brasileira

Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura

A vida íntima dos cafés

Espaço neutro durante a Ditadura

A Brasileira no seu passaporte

Para sempre um ponto de encontro

Columbano Bordalo Pinheiro

A Brasileira em exposição no MNAC Jun-Set 2021

Um diálogo divertido n’A Brasileira

a brasileira do chiado em
exposição no mnac

Em 2021 o MNAC – Museu Nacional de Arte Contemporânea acolheu uma exposição sobre A Brasileira do Chiado que contava a história de uma revolução artística através das pinturas modernistas do café, a propósito da celebração dos 50 anos da segunda geração de quadros. No Museu estiveram expostos alguns dos quadros da decoração de 1925 e um conjunto de documentação em grande parte inédita da decoração de 1971, nomeadamente fotografias da colocação das pinturas nas paredes.

A Brasileira tomou o lugar do MNAC como primeiro museu modernista de Lisboa, recebendo nas suas paredes a tremenda geração de Almada Negreiros, Stuart Carvalhais e Eduardo Viana.

Ao longo dos seus mais de 100 anos de história o papel d’A Brasileira tem sido o de dar palco à cultura e aos seus intérpretes, promovendo o progresso que só a arte é capaz de impulsionar. A Brasileira do Chiado e a sua História são, aliás, prova cabal de que a economia e a cultura podem e devem fundir-se para benefício mútuo, pois ambas melhoram quando conjugadas de forma inteligente, chegando a arte a mais pessoas (adquirindo mais valor à medida que mais corações vai tocando) e chegando a economia à dimensão transcendental muito acima da mera razão monetária.

Hoje, como ontem, A Brasileira continua a cumprir o seu desígnio de propulsor de mudança e de palco da efervescência artística. Fá-lo a cada encontro que acontece numa das mesas sextavadas, mas sobretudo fá-lo a cada história contada na Mensagem de Lisboa, nascida no mesmo lugar onde um dia Almada escreveu parte do famoso Manifesto. Hoje, como na altura, acreditamos poder ser parte da mudança.